sábado, 24 de novembro de 2012

SOBRE A REELEIÇÃO DE BARACK OBAMA

É coisa de que não gostaria de falar. Não precisava. A mim, particularmente não ocorreria qualquer interesse saber ou acompanhar em minúcias todo o andamento do pleito. Impossível isso, já que a grande mídia desse “meu país” se envolve de forma tal, e durante semanas e mais semanas que antecedem o pleito, que a impressão que me ocorre é de que o resultado dessas eleições influenciarão diretamente nas relações entre brasileiros. Houve um tempo em que a orientação política do mundo ocidental passava necessariamente pelo piscar de olhos que desciam do norte. Os efeitos da guerra fria ecoavam de forma contundente, sobretudo sobre a região da latino-américa, subserviente, submissa e impotente, incapaz de desobedecer. Isso me leva ao meu quintal de infância. Uma vastidão imensurável, coberto de árvores frutíferas cujo domínio administrávamos da porta de nossa cozinha. Atentos, qualquer movimentação estranha suspeita nos levava a perceber que alguém estava invadindo o espaço e carregando nossas mangas. A vigilância se redobrava em ocasiões de frutificação. Contentávamos com a constatação de que os frutos se perdiam no chão, sem qualquer aproveitamento, mas não admitíamos que o vizinho do lado de lá do ribeirão o atravessasse para colher alguns deles. Que proveitos nos davam? Sequer dávamos conta de uma colheita extravagante, misturando diversas modalidades num mesmo recipiente entregues ao apodrecimento sobre a mesa, sem serventia alguma, pois era muita fruta pra poucas bocas. Nesse andar da carruagem, chegamos a um determinado ponto da vida que percebemos que o quintal nem era tão grande assim que as frutas nele produzidas não eram as melhores do mundo e, teriam sido muito melhor aproveitadas se as tivéssemos dividido com nossos vizinhos e amigos. Obama já não controla mais o quintal porque a visão de certos inquilinos da parte baixa do globo chegou a um estágio de crescimento semelhante ao que tivemos quando descobrimos a improcedência do principio que norteava a visão de meu quintal. De um tempo em que se “falássemos” com dirigentes de países como Cuba, China, Rússia causava mal estar e gerava ameaças dos lideres do Norte, passamos a nos relacionar com esses povos, com uma visão divorciada de seus interesses, de seus embargos, principalmente, com uma perspectiva de que os povos são povos e não podem ser medidos pelo seu jeito de pensar politicamente, não se anulam pelo credo e não se impõem pela cor da pele. Infelizmente, grande parte de nossa mídia ainda pensa com a visão retrógada do tempo das muitas mangas. Não perceberam que elas apodreceram, perdidas ao solo. Num certo dia, desses em que o espasmo de inteligência supera o da mediocridade, o país do Norte elegeu um mulato para a presidência, saído de uma descendência completamente desconectada das origens do povo a que veio governar. Reeleito agora, causa o maior frisson em certas cabeças coroadas que lhe dedicaram espaços nunca imanáveis de se dedicar a um nacional. A programação é interrompida e ao fundo os acordes do hino nacional da nação superior. É tétrico. Correspondentes são mobilizados nos quatro cantos do mundo para colher as impressões; comentaristas mudam a impostação da voz. Não há o que fazer. Infelizmente uma visão de subserviência ainda vive sobre ombros e cabeças e sobre esse embalo impactam a informação de nós, reles cidadãos sem discernimento. Do outro lado da notícia, verificamos certo desdém com as coisas ditas por cá. Certo mulato, eleito e reeleito, responsável por avanços significativos, incluídos os de autoestima do povo, começa a sentir de perto o preço de ter contribuído para a supressão dessa subserviência. O vilipêndio, o desdém, o desrespeito e a tentativa de vulgarização são uma constante nesses mesmos espaços dedicados ao mulato da “raça superior”. Não importa o que se tenha acrescido ao país. É preciso que retorne aos trilhos, à vala comum da dependência em todos os níveis e sentidos. Pensam e indicam. Mulatos são diferentes, pude perceber. Os de cá e os de lá. Cresci naquele quintal onde as fronteiras se limitavam pelo prazer da ostentação de poder e domínio. Uma “invasão” de um vizinho em troca de uma fruta fadada ao apodrecimento em nada nos diminuiria, vejo, traria muito mais que um sentimento distante de vizinhança e de competição; traria por certo uma maior proximidade com possibilidades de conhecimentos e interação entre seres de uma mesma espécie. Mas, como ocorre, os mulatos de cá não falam inglês, assim como os vizinhos do lado lá. Isso pesa; e como pesa!

domingo, 18 de março de 2012

Ah, Alteza!


Começa agora, bem de mansinho uma chuva no meu telhado. Sempre que chove me cubro de preocupações; não moro em área de risco, mas sou castigado severamente pelo medo do trovão. Bobagem. Se ouço o trovão é porque o perigo já passou.

Naquela tarde noite chovia. O anoitecer aumentava o risco não só para os que moravam nos morros e nos sítios ribeirinhos. Costumo dizer, sem que ninguém me conteste que as coisas desagradáveis e inusitadas acontecem sempre à noite. É à noite que o gás do fogão acaba; de preferência quando você está na metade do “mexidão”; o dente dói e não tem analgésico, só à noite. À noite é quando os filhos resolvem nascer; alta madrugada! Vai tudo muito bem e de repente:

“Bêêmnhêêê, estourou a bolsa!” - Corre daqui, corre dali, e o jeito é passar o resto da noite no hospital.

Ligaram não sei de onde. A comitiva de Sua Majestade Imperial seria pontual e já estava a caminho. Engoli o lanche e sai no galope. A recepção foi um ato inusitado. Motivação para impor contrafação numa situação política local. Uma pugna despropositada marcada pelo cerceamento de direitos básicos me jogou no colo aquele momento. Algumas linhas foram publicadas nos jornalões da capital. Tá bom, forçou a barra. Recebemos os herdeiros do trono!

Chovia fino. A preparação haveria que ser feita com presteza, embora rapidamente, para se evitar o cometimento de gafes. Há um jeito muito especial de se tratar com membros da realeza, dizia o Augusto Ferreira o anfitrião. Perfilhados no calçamento irregular do paço municipal o minguado destacamento policial repassava o “mise-em-scénes” pra não fazer feio.

D. Bragança espera com o olhar fixo no horizonte como se estivesse alheio ao mundo que lhe rodeava. Augusto desceu rápido, abriu a porta do veículo, curvou-se cerimoniosamente e se fez acompanhar de sua Alteza até onde a meia dúzia de milicianos aguardavam em posição de sentido, desconfiados daquilo tudo.

Ariel, como se estivesse a persignar-se elevou a mão à pala em sinal de respeitosa continência, saudou o herdeiro imperial apresentando-se e se colocando à disposição da comitiva.

D. Bragança estende a mão aos moldes do gestual das monarquias, talvez à espera do beijo do vassalo. Em forma de murmúrio, misto de educação refinada e distanciamento singular da pompa imperial provoca um inusitado desconforto de natureza semântica:

- Obrigado comandante, desejo boa sorte para o senhor e para sua tropa.

- Agradeço, meu príncipe, eu desejo o mesmo para a alteza do senhor também.

Em comitiva, depois de um discurso rebuscado de saudosismo e a expectação de um possível retorno aos lauréis de anteontem, fomos todos à recepção nas dependências do museu federal, nos fartar de bom vinho e vistoso repasto.

Abro os jornais e percebo hoje, no vórtice dessa chuvinha murrinhenta em minha janela, tal qual naquele dia, que toda a imprensa do país está deveras preocupada com a visita do Príncipe Harry às terras de D. Bragança. Policiais paramentados, holofotes e flashes insistentes, iluminam e incendeiam o sorriso amarelo de um inglês genuíno, de rosto vermelho e pele esbranquiçada. Longe de se vislumbrar no rosto do infante, uma beleza encantadora, tal a que se via no rosto gracioso de sua mãe, envolvida pela volúpia do mimetismo entre a frugalidade e a realeza plastificada. Por outro lado, e por sorte dele, não se escreve também em suas faces a estampa rabiscada do pai sempre com ares de quem está chupando limão galego, daqueles miudinhos que tinha no quintal da casa do Tiilton.

Não tenho a menor preocupação de acompanhar os fatos. Sequer me dá interesse em comparar as atitudes do herdeiro da coroa inglesa com as atitudes dos imperiais senhores de Bragança. Percebo hoje que a inusitada visita daquele distante momento chuvoso se repete rotineiramente na cidade, já que firmando-se num sentido sem sentido, germinou por aqui, uma célula de monarquistas emplumados. É coisa que não vinga. Não sai do broto, mas que é hilário é. Não menos hilário que o cordão de populares, moçoilas, crianças e curiosos que rodeiam o terceiro sardento na linha de sucessão do trono de Windsor. Harry subiu morro, Harry jogou bola nas areias cariocas, Harry participou de corrida no aterro, comeu churrasco no Pantanal, posou ao lado de autoridades, foi recebido por escolares de bandeirinha do Reino Unido, fãs de Harry fantasiados de membros da realeza, por fim, como não poderia deixar de ser, Harry foi jogar uma partida de pólo com seus “amigos”. O polo é um esportezinho besta, coisa de ricos, que por preguiça ou comodidade, correm atrás de uma bolinha montados em cavalos de rabo empacotado.

O regime monárquico, a despeito do sonho da Imperial Família de Petrópolis, não foi de todo algo que atraiu muito nosso povo, ainda que em nosso meio existam os reis do futebol, do baião, as rainhas dos baixinhos e da pipoca. Mas, acho até que não sabemos muito bem o significado dessas metáforas não. O que mais me intriga, é que, não é incomum entre nós a expressão: “FULANO NÃO PASSA DE UMA RAINHA DA INGLATERRA!” num significado de que "fulano" não manda coisa nenhuma.

Em verdade, a monarquia inglesa, atualmente é mais o significado de um culto à tradição. Se por um lado, traz essa característica lúdica de emoções, não significa em efeito um governo de fato. Sabe-se que a monarquia inglesa é uma monarquia constitucional parlamentar onde o exercício do poder não está nas mãos do monarca, e tem limites na lei. Em suma a monarquia inglesa é bem um símbolo de poder.

Coisas que acontecem entre nós com importâncias significativas, por vezes não são noticiados. O ex presidente Lula, no climax de sua popularidade, disse que os atos de seu governo com certeza teriam muito mais destaque e repercussão na imprensa alienígena que na doméstica. Há razões para tanto? Falou-se muito mais de Harry, numa semana que do vazamento de óleo nas águas brasileiras.

Que gosto, que razão, que motivos, que mística levam um bando de autoridades, um bando de pessoas do povo, que nem sabem de reis, rainhas e príncipes, a uma insistência exacerbada de uma mídia que zomba do país, que releva questões cruciais ao nada elevado a nada, a ficarem dias e dias com seus espaços todos tomados para definir o sorriso de Harry, discutir a cor da meia de Harry, se enfeitiçar com o beicinho de Harry, e, diagnosticar o cheiro do pum do Harry? Ora, a resposta não está muito longe daquilo que já se sentiu há tempos entre nós e que vem sendo uma pratica aflitiva de nossa elite burguesa e metida a ativa, tão bem evidenciado por Nelson Rodrigues, o Anjo Pornográfico, a propósito construída exatamente sobre um confronto futebolístico de nossa seleção com súditos da rainha:

“Por "complexo de vira-latas" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos "os maiores" é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade.”

Jamais foi tão evidente, e eu diria mesmo, espetacular o nosso "viralatismo" quando esse espetáculo de inocuidades toma o nosso dia a dia e transforma em celebridades nada mais que um simples traço de ácido desoxiribonucleico, nada mais que isso.

Vou dormir. Com essa chuvinha manhosa, essa noite chegando, e esse povo brincando de príncipe por aí, pode bem ser que algum Bragança me venha bater à janela, ou mesmo um sapo coaxe sob meu catre, pois, é sempre a noite que essas coisas nos convém.