A mania de querer ser muito certinho às vezes me deixa com brocha na mão. Paguei um grande mico na edição de meu livro. A falta de profissionalismo da editora me fez sentir meio impotente.
Meu amigo Elias Rodrigues, grande poeta, grande artista plástico, escritor que brinca de escrever (descobri muito recentemente que ele entende de bongô, igual o Jô Soares!), incumbido de fazer as orelhas do livro, aceitou o meu pedido e fez. O problema foi o tamanho da orelha. Deu a impressão que o meu livro ia voar. Resolvi então, transformar aquilo numa resenha. O "desprofissional" da edição comeu um pedaço e regurgitou o outro. De sorte que uma parte ficou repetida e a outra não saiu.
A solução que tentei dar ao caso não foi obedecida pois nem a orelhinha que o Pastor Alair mui gentilmente elaborou o "desprofissional" foi capaz de colocar.
Aos que adquiriram o livro, vejam então aqui, a integra da resenha do Elias, que ficou muito bonito, não porque ele falou de mim não, é porque ele escreve muito mesmo. Só Chico Buarque pra dar conta dele.
Vejam:
Meu amigo Elias Rodrigues, grande poeta, grande artista plástico, escritor que brinca de escrever (descobri muito recentemente que ele entende de bongô, igual o Jô Soares!), incumbido de fazer as orelhas do livro, aceitou o meu pedido e fez. O problema foi o tamanho da orelha. Deu a impressão que o meu livro ia voar. Resolvi então, transformar aquilo numa resenha. O "desprofissional" da edição comeu um pedaço e regurgitou o outro. De sorte que uma parte ficou repetida e a outra não saiu.
A solução que tentei dar ao caso não foi obedecida pois nem a orelhinha que o Pastor Alair mui gentilmente elaborou o "desprofissional" foi capaz de colocar.
Aos que adquiriram o livro, vejam então aqui, a integra da resenha do Elias, que ficou muito bonito, não porque ele falou de mim não, é porque ele escreve muito mesmo. Só Chico Buarque pra dar conta dele.
Vejam:
"O QUE SERIA UMA ORELHA
“Fala, filho da mãe!!!”
Wagner Moreira Martins
por Elias Rodrigues de Oliveira
artista plástico e escritor
Em nossa terra natal, as pessoas têm dono. O autor deste “Fala, filho da mãe!!!” é o Wagner Moreira Martins, filho do Ahias Moreira, artífice que instalava antenas e rádios nas Ruas e Fazendas para músicas e notícias chegarem a Entre-Folhas. Era década de 50 e assim é que Ahias sendo técnico era também comunicador. Wagner o ajudava aprendiz, mais tarde se tornou tipógrafo em Caratinga, Sabará e Advogado na Grande BH. Hoje, aqui está este livro. Coube a mim a honra de por nele as orelhas. Hesitei, mas como amigo e conterrâneo, devo tentar... Nesta, vou sussurrar sobre poesias e na outra orelha vou cochichar os contos.
Aqui está um Wagner acometido de “querência”, que é sentimento misto de melancolia, saudade e desejo. Algo de que sofre o gado levado longe do seu do seu curral. Lembra-me a Vaca-vitória de cor pitanga, a vaca astuta que em Seqüência, conto de Guimarães Rosa, se desgarra da boiada e volta. Vindo, traz consigo um moço em travessias várias e ao chegar, lhe desesconde uma das moças para o amor.
Assim Wagner nos envolve em querências... Abro o primeiro poema, ainda nascituro, o poeta já nos revela seu “sentimento do mundo”, nasce primeiro “esse braço pênsil, pêndulo em descompasso...” eis aí pintado o braço de Marat assassinado, ou de Cristo em Pietà, ou quem sabe melhor lhe diria Drummond - “vai ser gauche na vida!”.
Wagner dá “o adeus ao poeta” /êta homem besta, meu deus!/ e vai mesmo ser gauche, mas, “na venda de arlindo maria,/não havia tristeza que ia.”
Entre-montanhas-entranhas-rios-e-Folhas vaga Wagner perquirindo a vida. Encontro em “olho por olho” – o seu “antonio caroço” encrencando com o meu “vicente boné”, é briga na certa na rua da Rua. Brigas, amores indeclarados e amores voláteis: “você veio vindo,/.../ você se foi, como um pássaro,/deixando só a casca do alpiste / que não servia mais pra nada./
O poeta lamenta esse país indecente de “meninos carvoeiros”, mas de nada lhe serve Cuba, a menos que lhe seja um adorno amoroso: “não quero ir a cuba./.../ quero ir para casa,/.../ e encontrar você, cubana,/a adornar o meu leito.” Assim como o seu Che, ele prefere os “momentos de ternura”
E continua sensual: /quem será capaz de afastar/ o gosto da pitanga doce/ .../só sei que essa fruta madura / é o fruto que ela mastiga.”
Mas se pudesse mesmo, Wagner iria pra Pasárgada, e lá seria amigo do rei: “se eu pudesse, ah! se eu pudesse;/.../ e deixava que a vida fosse... “
Desiludido o poeta se indaga e nega a si mesmo: “o que mais nos resta/ a não ser a saudade perdulária/.../ /busco enfim / desfazer-me dos trapos / que me construíram./.../ num ímpeto, quase que temerário,/ de deixar ao passado o cordel de suas memórias.”
Em seu “rio de pedras” não corre água. Corre o nosso viver enquanto em paralelo transmutam os cenários. Trata de “ir de encontro ao mar” de viver o limiar e a morte, desvelar mistérios, constituir-se com o uno, expandir-se em universos, fundir-se ao sol, morrer e ser ressurreto e salvo.
Com “revoadas” de ironia e irreverência o poeta é agora um besta boquiaberto, como um pinico para as andorinhas das praças. Inconformado e inquieto, se perde em tentativas vãs de transformar as realidades e transformar os sonhos. Busca a razão que não há, quer amenizar a vida metamorfoseando cactos em suave e poderosa flor-de-rosa.
Quer domar insetos e duendes, pois estes sim, transmutam sonhos em terríveis realidades palpáveis e consistentes. Em sua arte de incompreender o mundo, resta apenas ao poeta preservar em si a poeira natal, para não sumir, sumir, sumindo...
Inculta e bela nossa “última flor do lácio” se faz viva e versátil, pelos chiques-chutes deste autor narciso em cabo frio. São deslugares, querências e um mineiro-em-praia cantando sampa, evocando em nós a canção que perpassa seus poemas:
...Como pode um peixe vivo viver fora d’água fria? Como poderei viver? Como...?
.....
Em prosa, Wagner nos brinda com crônicas, causos assombrosos e outros contos. Textos reveladores da sua infância sensível, já ali a registrar o que o homem tem de humano. Pinta minuciosamente os objetos calejados, lugares repisados, luzes e matizes que conformam o sutil viver de um tipo de gente ainda sobreviva nele. Nomes antigos e as melhores falas interioranas estão aqui segregados em formato itálico, submetidos ao falar urbano-erudito.
Cuidando-me para não revelar o fim-dos-filmes, encontramos nestes textos situações tragicômicas entre animais mancos e mulheres domesticadas no serviço. Infelizmente a sombra da mangueira é cúmplice e guardiã de uma moral avô-paterna que a si preserva, cometendo crimes no próprio seio familiar. Cuidadoso, este avô não pôs a cruz na cova.
Mas quem sabe, sabe que é no “pau-da-grosa” que Wagner aprendeu a transformar a vida em causos, e para ele, “pau-da-grosa” é mais que tora tombada no Largo de Entre-Folhas: é o ponto do melhor humor, chacota, banco da boa maledicência.
Infância e adolescência povoadas por vozes e fantasmas noturnos. Menino arteiro em festividades, fogos e farras na madrugada, furtos de sacas de café, sopas de galo alheio, e o saboreio do cabrito assado é muito melhor se furtado. Adulto, é autor indignado com os donos do poder, desde o grande estado hegemônico até os pequenos prefeitos em eterna sucessão de corruptos. Apenas Dona Miloca comunga e candonga com este escriba em críticas aos políticos inoperantes e sem ideais. Wagner põe seu jaquetão de couro e se delicia, entre realidade e fantasia, e até jura que viu, ele e Nenzinha aquele 11 de setembro que o mundo todo viu.
Desiste e volta de vez, para encontrar o Tio Oscar, o oleiro hábil entre bilhas e barros, resistindo à modernização, preservando sua lamparina até..., até se quebrar como quebra o barro no “ponto de osso”. Volta para encontrar Cidoca – a empregada que, a exemplo dos patrões, quer ter seu retrato na parede. Prepara, se enche de coragem para tocar no assunto, mas, bastou Sô Zias pedir-lhe meia dúzia de ovos, entre bem e mal passados para Cidoca distrair-se e nunca mais pensar em ver daguerreótipo seu em parede alguma.
No conforto da terra natal, o autor rememora e se diverte desmontando um a um os seus e os nossos mitos. Na madrugada bisbilhota Faysson, o trabalhador sério que nos fins de semana se transforma em bêbado espirituoso e divertido. Mago e irreverente, vai devassando memórias, vai ressuscitando do nosso Entre-Folhas os piores lugares simbólicos: o caixote, a sapucaia, ..., o das putas e o dos presos, respectivamente.
O autor que neste livro fala, é alguém provocando alguém.
Queria ver o filho da mãe gritar: TATUUU!!!
E seguir vida dislalia, vida gauche."
“Fala, filho da mãe!!!”
Wagner Moreira Martins
por Elias Rodrigues de Oliveira
artista plástico e escritor
Em nossa terra natal, as pessoas têm dono. O autor deste “Fala, filho da mãe!!!” é o Wagner Moreira Martins, filho do Ahias Moreira, artífice que instalava antenas e rádios nas Ruas e Fazendas para músicas e notícias chegarem a Entre-Folhas. Era década de 50 e assim é que Ahias sendo técnico era também comunicador. Wagner o ajudava aprendiz, mais tarde se tornou tipógrafo em Caratinga, Sabará e Advogado na Grande BH. Hoje, aqui está este livro. Coube a mim a honra de por nele as orelhas. Hesitei, mas como amigo e conterrâneo, devo tentar... Nesta, vou sussurrar sobre poesias e na outra orelha vou cochichar os contos.
Aqui está um Wagner acometido de “querência”, que é sentimento misto de melancolia, saudade e desejo. Algo de que sofre o gado levado longe do seu do seu curral. Lembra-me a Vaca-vitória de cor pitanga, a vaca astuta que em Seqüência, conto de Guimarães Rosa, se desgarra da boiada e volta. Vindo, traz consigo um moço em travessias várias e ao chegar, lhe desesconde uma das moças para o amor.
Assim Wagner nos envolve em querências... Abro o primeiro poema, ainda nascituro, o poeta já nos revela seu “sentimento do mundo”, nasce primeiro “esse braço pênsil, pêndulo em descompasso...” eis aí pintado o braço de Marat assassinado, ou de Cristo em Pietà, ou quem sabe melhor lhe diria Drummond - “vai ser gauche na vida!”.
Wagner dá “o adeus ao poeta” /êta homem besta, meu deus!/ e vai mesmo ser gauche, mas, “na venda de arlindo maria,/não havia tristeza que ia.”
Entre-montanhas-entranhas-rios-e-Folhas vaga Wagner perquirindo a vida. Encontro em “olho por olho” – o seu “antonio caroço” encrencando com o meu “vicente boné”, é briga na certa na rua da Rua. Brigas, amores indeclarados e amores voláteis: “você veio vindo,/.../ você se foi, como um pássaro,/deixando só a casca do alpiste / que não servia mais pra nada./
O poeta lamenta esse país indecente de “meninos carvoeiros”, mas de nada lhe serve Cuba, a menos que lhe seja um adorno amoroso: “não quero ir a cuba./.../ quero ir para casa,/.../ e encontrar você, cubana,/a adornar o meu leito.” Assim como o seu Che, ele prefere os “momentos de ternura”
E continua sensual: /quem será capaz de afastar/ o gosto da pitanga doce/ .../só sei que essa fruta madura / é o fruto que ela mastiga.”
Mas se pudesse mesmo, Wagner iria pra Pasárgada, e lá seria amigo do rei: “se eu pudesse, ah! se eu pudesse;/.../ e deixava que a vida fosse... “
Desiludido o poeta se indaga e nega a si mesmo: “o que mais nos resta/ a não ser a saudade perdulária/.../ /busco enfim / desfazer-me dos trapos / que me construíram./.../ num ímpeto, quase que temerário,/ de deixar ao passado o cordel de suas memórias.”
Em seu “rio de pedras” não corre água. Corre o nosso viver enquanto em paralelo transmutam os cenários. Trata de “ir de encontro ao mar” de viver o limiar e a morte, desvelar mistérios, constituir-se com o uno, expandir-se em universos, fundir-se ao sol, morrer e ser ressurreto e salvo.
Com “revoadas” de ironia e irreverência o poeta é agora um besta boquiaberto, como um pinico para as andorinhas das praças. Inconformado e inquieto, se perde em tentativas vãs de transformar as realidades e transformar os sonhos. Busca a razão que não há, quer amenizar a vida metamorfoseando cactos em suave e poderosa flor-de-rosa.
Quer domar insetos e duendes, pois estes sim, transmutam sonhos em terríveis realidades palpáveis e consistentes. Em sua arte de incompreender o mundo, resta apenas ao poeta preservar em si a poeira natal, para não sumir, sumir, sumindo...
Inculta e bela nossa “última flor do lácio” se faz viva e versátil, pelos chiques-chutes deste autor narciso em cabo frio. São deslugares, querências e um mineiro-em-praia cantando sampa, evocando em nós a canção que perpassa seus poemas:
...Como pode um peixe vivo viver fora d’água fria? Como poderei viver? Como...?
.....
Em prosa, Wagner nos brinda com crônicas, causos assombrosos e outros contos. Textos reveladores da sua infância sensível, já ali a registrar o que o homem tem de humano. Pinta minuciosamente os objetos calejados, lugares repisados, luzes e matizes que conformam o sutil viver de um tipo de gente ainda sobreviva nele. Nomes antigos e as melhores falas interioranas estão aqui segregados em formato itálico, submetidos ao falar urbano-erudito.
Cuidando-me para não revelar o fim-dos-filmes, encontramos nestes textos situações tragicômicas entre animais mancos e mulheres domesticadas no serviço. Infelizmente a sombra da mangueira é cúmplice e guardiã de uma moral avô-paterna que a si preserva, cometendo crimes no próprio seio familiar. Cuidadoso, este avô não pôs a cruz na cova.
Mas quem sabe, sabe que é no “pau-da-grosa” que Wagner aprendeu a transformar a vida em causos, e para ele, “pau-da-grosa” é mais que tora tombada no Largo de Entre-Folhas: é o ponto do melhor humor, chacota, banco da boa maledicência.
Infância e adolescência povoadas por vozes e fantasmas noturnos. Menino arteiro em festividades, fogos e farras na madrugada, furtos de sacas de café, sopas de galo alheio, e o saboreio do cabrito assado é muito melhor se furtado. Adulto, é autor indignado com os donos do poder, desde o grande estado hegemônico até os pequenos prefeitos em eterna sucessão de corruptos. Apenas Dona Miloca comunga e candonga com este escriba em críticas aos políticos inoperantes e sem ideais. Wagner põe seu jaquetão de couro e se delicia, entre realidade e fantasia, e até jura que viu, ele e Nenzinha aquele 11 de setembro que o mundo todo viu.
Desiste e volta de vez, para encontrar o Tio Oscar, o oleiro hábil entre bilhas e barros, resistindo à modernização, preservando sua lamparina até..., até se quebrar como quebra o barro no “ponto de osso”. Volta para encontrar Cidoca – a empregada que, a exemplo dos patrões, quer ter seu retrato na parede. Prepara, se enche de coragem para tocar no assunto, mas, bastou Sô Zias pedir-lhe meia dúzia de ovos, entre bem e mal passados para Cidoca distrair-se e nunca mais pensar em ver daguerreótipo seu em parede alguma.
No conforto da terra natal, o autor rememora e se diverte desmontando um a um os seus e os nossos mitos. Na madrugada bisbilhota Faysson, o trabalhador sério que nos fins de semana se transforma em bêbado espirituoso e divertido. Mago e irreverente, vai devassando memórias, vai ressuscitando do nosso Entre-Folhas os piores lugares simbólicos: o caixote, a sapucaia, ..., o das putas e o dos presos, respectivamente.
O autor que neste livro fala, é alguém provocando alguém.
Queria ver o filho da mãe gritar: TATUUU!!!
E seguir vida dislalia, vida gauche."
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